Especialistas avaliam 600.000 crianças e concluem que a imunização tríplice viral não causa o transtorno do neurodesenvolvimento
Por Carolina García/ El País
Doenças que foram erradicadas graças às vacinas agora ressurgiram. O Brasil, que recebeu em 2016 um certificado da ONU pela eliminação do sarampo, teve um grande surto da doença que atingiu 11 Estados e 10.302 pessoas no ano passado, por conta da baixa cobertura vacinal. E entre as causas deste aumento está a crença de alguns, de um movimento conhecido como antivacinas, que as apontam como causadoras de doenças e transtornos, tais como o autismo (TEA). E essa crença é falsa, concluiu um estudo na Dinamarca com mais de 600.000 crianças. Ele não é o único que jogou por terra essa afirmação, apenas o mais recente e bastante completo. A pesquisa foi publicada nesta segunda-feira no Annals of Internal Medicine.
A tese fundamentada de que a vacina conjunta contra a rubéola, caxumba e sarampo, conhecida como tríplice viral (MMR, na sigla em Inglês), provoca o autismo, começou há duas décadas, depois da publicação de um artigo de Andrew Wakefield, em 1998, no The Lancet, no qual ele defendia o vínculo hipotético entre a vacina MMR e o autismo. Este estudo, que causou pânico e afetou as taxas de vacinação em todo mundo, foi refutado em muitas ocasiões e, além disso, o próprio pesquisador —que teve de se retratar na mesma revista por erros metodológicos que alguns especialistas definem como “premeditação de sua parte”— chegou a perder sua licença de trabalho. Apesar de tudo isso, o boato se mantém em nível mundial, alimentado sobretudo pelas redes sociais.
“Nas redes sociais as pessoas seguem quem querem seguir ou quem se encaixa no que pensam ou desejam”, explica por telefone Celso Arango, chefe de Psiquiatria Infantil e Adolescente do hospital Gregorio Marañón. “Os antivacinas não vão desaparecer. São pessoas que acreditam no conceito natural como modo de vida. Mas há algo que precisam saber: toda decisão é respeitável desde que não prejudique os outros. No momento em que essas pessoas não são vacinadas e reaparecem doenças até então erradicadas, o que afeta a população, sua decisão provoca um problema de saúde pública”, diz Arango.
“As pessoas antivacinas baseiam as suas conclusões em um artigo que foi desmascarado em várias ocasiões desde a sua publicação e que não tem nenhuma base científica”, continua. “Além disso, o surgimento da vacina coincide com um diagnóstico mais claro do autismo. Mas o autismo não surge de repente, não é algo que simplesmente acontece. A pessoa nasce com ele. E é diagnosticado mais cedo ou mais tarde, dependendo dos sintomas”, explica o especialista.
A fim de descobrir a verdade, os especialistas do estudo dinamarquês avaliaram se a vacina aumentava o risco de desenvolver autismo. Eles estudaram as características das crianças e o tempo decorrido desde a vacinação, um total de 657.461 nascidos na Dinamarca de 1999 a 2010, e as acompanharam desde o primeiro ano de vida até agosto de 2013.
Em todos os casos se avaliou se as crianças foram vacinadas, se tinham sido diagnosticadas com autismo, se havia algum membro da família com esse transtorno neurobiológica ou algum outro fator de risco para o autismo. No total, foram avaliadas mais de cinco milhões de pessoas, das quais apenas 6.517 crianças foram diagnosticadas com a incidência de autismo, dizem os autores, ou seja, 129,7 para cada 100.000 habitantes. Não se observou nenhuma diferença entre as crianças vacinadas e as que não eram, e não se verificou nenhum risco adicional para padecer de TEA entre os vacinados.
“Nossa conclusão é que a vacina tríplice viral não aumenta o risco de sofrer de autismo”, escrevem os autores na revista. Além disso, “não há aumento de seu diagnóstico entre as crianças mais suscetíveis de padecê-lo e não está relacionado com casos de autismo que aparecem depois da vacinação”. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada 160 crianças tem TEA no mundo e os sintomas geralmente começam na infância e persistem até a adolescência e a idade adulta. Outras estimativas dizem que pode afetar uma em cada 68 crianças em idade escolar.
“O que se precisa saber é que a expectativa de vida melhorou graças às vacinas, que reduziram as taxas de mortalidade infantil”, continua Arango. “E parar de fazer isso pode ter sérias consequências”, diz ele. “Na Califórnia, nas escolas públicas do Estado, as autoridades tomaram medidas sobre a questão das vacinas e decidiram que nenhuma criança que não esteja imunizada pode ser matriculada.”
Até fevereiro deste ano já haviam sido diagnosticados 206 casos de sarampo nesse Estado, segundo dados do Centro de Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos EUA. É apenas um exemplo. “Nós, especialistas em saúde, temos a obrigação de informar os pais, a sociedade, sobre as evidências científicas, e não sobre nossas crenças”, explica o especialista. Nos EUA, ainda em 20 dos 50 Estados, mais Washington DC se prevê não vacinar por motivos religiosos e pessoais. Apenas três, Califórnia, Mississippi e Virgínia Ocidental, não permitem exceções não médicas.
Nesse país, a Associação Médica Americana desacreditou em várias ocasiões os pais que se recusam a vacinar seus filhos por motivos alheios à medicina e, como outras organizações, como a OMS, enfatiza sua capacidade de erradicar enfermidades, proteger as crianças e evitar que tenham doenças como sarampo, rubéola ou caxumba.