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Voto de qualidade torna Carf parcial, afirma vice-presidente do IBPT

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Segundo a advogada tributarista Letícia Amaral, o contribuinte, seja ele empresa ou pessoa física, é a parte mais frágil nos julgamentos de litígios tributários contra a União

Por Felipe Moura – Agência Brasil 61

A volta do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) fere a imparcialidade dos julgamentos das disputas tributárias entre a União e os contribuintes, avalia a vice-presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), Letícia Amaral.

Editada pelo governo federal em janeiro, a Medida Provisória 1.160/2023 restabelece que, se houver empate nos julgamentos de litígios tributários, cabe ao presidente da turma, representante da Fazenda Nacional, o voto de minerva. Segundo a advogada tributarista Letícia Amaral, o retorno do voto de qualidade no Carf é prejudicial para as empresas do setor produtivo e as pessoas físicas.

“O contribuinte é a parte mais frágil. A gente vai voltar ao que havia – e era muito ruim – que é essa parcialidade. O Carf, por ser um órgão paritário, na sua essência, teria que ser paritário em tudo. Paritário e imparcial. O que o torna parcial é justamente o voto de qualidade”, argumenta.

Para a especialista, o princípio do “in dubio pro reo”, ou seja, “na dúvida, a favor do réu”, que se aplica aos julgamentos no Judiciário, também serve para as disputas tributárias. Isto é, se não há consenso no Carf de que o contribuinte cometeu alguma irregularidade, então ele não pode ser penalizado.

O deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA) afirma que a complexidade do sistema tributário brasileiro, por si só, torna a vida das empresas e dos cidadãos mais difícil, o que tende a piorar com o retorno de voto de qualidade. “O contribuinte tem que ter, pelo menos, o direito da dúvida. Para eu fazer um Imposto de Renda preciso de contador. Imagina uma empresa. O cara contrata advogado, contador, e não sabe se pagou correto. E se o Fisco achar que pagou errado, multa a empresa. Quando tiver que recorrer sabe que vai perder, porque é metade mais um, porque o voto de qualidade está do lado do governo. É uma coisa injusta com quem paga imposto nesse país.”

Entenda

Um Decreto publicado há 50 anos previa o voto de qualidade para o desempate de julgamentos no âmbito do Carf. A MP do Executivo retomou a regra, que foi suspensa em 2020. À época, o Congresso Nacional aprovou uma lei que acabou com o voto de qualidade e estabeleceu que, em caso de empate, a vitória ficava com o contribuinte.

Letícia Amaral conta que o fim do voto de qualidade trouxe mais igualdade para os julgamentos envolvendo o Fisco e os cidadãos. “De 2020 pra cá, a gente viu nos uma mudança nos julgamentos do Carf, que acabaram sendo mais a favor do contribuinte”, relata.

Antes, o cenário era o oposto, explica a advogada. “O que acontece: por mais que a gente fale que os julgadores têm que agir com imparcialidade dentro do processo, na prática, muitas vezes ficam os conselheiros representantes dos contribuintes votando a favor do contribuinte e os conselheiros do Fisco votando a favor do Fisco.”

“Se empatou, vai para o voto de qualidade. Como quem desempata é o representante do Fisco, quase sempre fica a favor do Fisco. Por isso que sempre se discutiu muito a igualdade dos julgamentos”, completa.

Quem é crítico ao voto de minerva pelo representante da Fazenda Nacional argumenta que há um conflito de interesses prejudicial ao contribuinte, já que o desempate é feito por quem também está envolvido no processo.

O fato de o governo ter justificado que a alteração na lei poderia render mais de R$ 60 bilhões aos cofres federais reforça o perigo de as decisões serem parciais, pró-União, critica Letícia. “Claro que vai aumentar a arrecadação, porque os julgamentos vão continuar como eram antes de 2020 e serão mais favoráveis ao Fisco do que ao contribuinte”.

Tramitação

A MP tem força de lei e já está valendo para os processos que são julgados no Carf. O Congresso Nacional tem 60 dias para analisá-la. O prazo é prorrogável por mais 60 dias, caso Câmara e Senado não tenham votado a medida.

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